Sim, nós precisamos falar sobre o aborto… e nessa questão, não basta dizer sim ou não: qualquer posicionamento diz respeito não só a você, mas escancara os teus valores, o teu modo de se relacionar com o mundo e com as demais pessoas. O sim ou o não devem ser resultantes de um processo intenso de reflexão e maturidade emocional e intelectual. É preciso ter coragem para assumir posições e lidar com os brios e com os discursos inflamados nas redes sociais e nos almoços de domingo em família. Se a coragem é o que distingue as grandes mentes e os medíocres, não podemos ser imparciais – a não ser que queiramos ficar à margem da história.
Pessoalmente, sou contra o aborto. Não é porque sou católica praticante, tenho filhos ou sou egoísta, ignorando os desafios enfrentados por jovens “pretas, pobres e faveladas” no Brasil. Sou contra o aborto porque acredito que a política do estado não deve envolver assassinato. Alguns argumentam que a vida começa com a consciência, outros dizem que começa com o nascimento, e cientistas oferecem pontos de vista variados. No entanto, independentemente das crenças religiosas ou conhecimento científico, tomar uma decisão entre a vida e a morte é uma questão de lógica. O desenvolvimento gradual do feto ao longo dos nove meses demonstra sua natureza como organismo vivo desde o início.
Apesar de não ser uma especialista em biologia, sou socióloga, filósofa e funcionária pública, capaz de tomar decisões com base em princípios e bom senso. A maternidade deve ser responsável e desejada, mas nem sempre a vida segue o ideal. Cometer um erro não justifica outro, especialmente contra alguém que não pode se defender – no caso do que estamos discutindo agora, o feto é um ser indefeso, que precisa de gente como nós para falar por ele.
Pensemos nos 9 meses de gravidez: se um feto necessita de nove meses para estar pronto para vir ao mundo – cada etapa é indispensável ao seu desenvolvimento. Para chegar ao segundo dia, ele deve ter sobrevivido ao primeiro; para chegar ao terceiro mês, ele deve ter passado pelo primeiro e pelo segundo; para chegar aos nove meses e nascer, é necessário que ele passe 8 meses crescendo na barriga da mãe, multiplicando suas células e desenvolvendo seus órgãos. Dessa forma, é impossível pensar que ele é uma vida com 09 meses e não é uma vida quando tem alguns dias – afinal, se ele não fosse um organismo vivo desde o início, não seria possível que ele multiplicasse suas células e desenvolvesse todos os seus tecidos e órgãos.
Eu tenho uma história para exemplificar que nem sempre o bebê vem ao mundo pronto, mas isso não o descaracteriza como um ser humano. Tenho dois filhos, sendo que um deles nasceu prematuro extremo. O meu filho caçula veio ao mundo com apenas 27 semanas de gestação e com um peso muito abaixo do ideal. Ao nascer, pesava apenas 900 gramas, chegando a atingir 700 gramas posteriormente. Naquela fase, seus pulmões não estavam completamente formados, e sua pele não tinha o aspecto “humano” comum aos bebês: parecia mais uma pelugem sob a qual se podiam ver todos os minúsculos vasos sanguíneos que compunham seu frágil corpinho. Além disso, sua cabeça era desproporcional em relação ao corpo, e seu cérebro ainda não estava maduro o suficiente para desempenhar as funções normais de um ser humano completo, como sugar o leite e realizar movimentos respiratórios independentes. Ele também carecia de anticorpos, capaz de torná-lo fatalmente vulnerável a qualquer resfriado.
O conheci apenas após dois dias de seu nascimento, pois ele estava internado em uma unidade de terapia intensiva neonatal, enquanto eu estava em outra. As pessoas que o visitavam no hospital saíam literalmente chocadas com sua aparência frágil. Longe de ser o bebê ideal, ele usava fraldas de tamanho RN que alcançavam seu pescoço e se alimentava por sonda, recebendo apenas 1 ml de leite a cada três horas. Passou três dos seus primeiros quatro meses de vida em um berço de UTI neonatal e, aos quatro meses, pesava incríveis 2,5 kg. Ele travou uma luta corajosa pela vida e nunca passou pela minha mente que ele não a venceria. Mesmo sendo fisicamente frágil, a vontade de sobreviver é intrínseca a cada ser humano. Ele desafiou as estatísticas desfavoráveis e superou a falta de confiança de muitos, demonstrando ao mundo que, independentemente de sua condição inicial, lutar incansavelmente pela vida sempre vale a pena, pois a vida é a única opção.
Cada gravidez que se inicia é, de fato, um universo infinito de possibilidades. Uma criança é sempre uma possibilidade de transformar o mundo, é a materialização do amor, do recomeço constante. E não é lícito a uma mãe retirar dessa nova vida todas as possibilidades que o mundo pode vir a oferecer pra ela. E se o pai não quiser a criança, se a mãe não sentir condições de cria-la, há inúmeras alternativas. A mulher que decide pelo aborto, independente das condições que a levem a tomar essa decisão age, muitas vezes, tomada pelo desespero e pelo desamparo oriundo dos seus familiares e amigos. Essa mulher com certeza só precisa de alguém que lhe ofereça a condição do não, que lhe mostre que matar uma vida não resolve os problemas internos de ninguém.
Eu sei que a maternidade deve ser responsável, deve ser fruto de um desejo íntimo celebrado em uma condição estável de vida. Infelizmente, nem sempre temos o ideal. E isso faz parte da nossa condição imperfeita. Um erro, porém, não deve implicar em outro, ainda mais cometido contra alguém que não tem condições de se defender. Imaginem o aborto legalizado no Brasil e a fila do SUS para conseguir a consulta. Mães, com 6, 7 meses de gestação indo abortar seus filhos tardiamente, por causa da demora no atendimento (ela marcou a consulta antes das 12 semanas, mas só tinha vaga para daqui a 4 meses). Imagino o meu caçula sendo morto. Ele não era o esperado, mas ele era perfeito. E é até hoje, pois teve chance de lutar, de seguir o curso da sua vida. Se todos nós merecemos uma chance, porque uma criança não?
A patricinha da internet que defende o direito da mulher “preta, pobre e favelada” de abortar esconde dos seus leitores o fato de que essas mulheres passam longe de clínicas de aborto e de agulhas de tricô. Essas mulheres têm seus filhos, às vezes quase uma dezena deles, e os criam – ou não criam, o que já é outra discussão – dando a eles a chance inicial de nascerem. O que o governo quer, em relação à “preta, pobre, favelada” é uma possibilidade de esterilização em massa. Só isso.
Não é prerrogativa do STF e nem de uma ex-juíza do trabalho, que hoje preside a Corte, decidir sobre a legalização do assassinato de bebês no ventre de suas mães. O que juízes do trabalho sabem sobre aborto? Onde está a imparcialidade do ministro Barroso que, antes de entrar no Tribunal indicado por Dilma Roussef, era advogado de organizações que defendem a descriminalização do aborto? Trata-se de um golpe contra a democracia, pois o cidadão brasileiro é majoritariamente contrário à descriminalização do aborto.
Apelo ao bom senso de todos vocês que leram até aqui: assassinato é sempre assassinato, não importa o que chamem, e uma vida é sempre uma vida, independentemente de seu estágio. Tirar a vida do inocente é algo claramente imoral. Abrimos uma porta: amanhã um outro ministro iluminado, que não recebeu nenhum voto, mas pratica ativismo judicial, pode nos convencer do quanto manter os velhos custa ao Estado e do quanto portadores de síndrome de Down não acrescentam nada à sociedade produtiva. Quem irá defendê-los?