Letras de Segunda – Minhas Bodas de Prata com Because You Loved Me: o amor mandou mensagem

I can barely recall
But it’s all coming back to me now

Eu mal consigo me lembrar
Mas está tudo voltando para mim agora

It’s All Coming Back To Me Now – Celine Dion

Alguns dias atrás, eu estava meio de bode e decidi que não passaria a noite de sábado enfurnada em casa.  Eu tinha passado o dia fazendo faxina e escrevendo sob encomenda e precisava respirar um ar diferente não só para descansar a cabeça, mas também para encontrar inspiração para começar bem o domingo (no qual eu continuaria escrevendo, mas menos, porque os meninos estariam de volta e vida de mãe é sempre cheia de afazeres diversos).  Então eu decidi: vou me dar uma noite de cinema.  E assim o fiz!

Noite de cinema? Sim! Me levei para jantar, tomei um vinho, escolhi um cinema maravilhoso e fui ver um filme com a Celine Dion, uma comédia romântica com todos aqueles ingredientes óbvios para que a gente deixe um balde de lágrimas no cinema e saia de lá com a esperança de que o crush um dia se lembre que a gente existe, porque as comédias românticas só têm sentido até a gente encontrar a tampa da panela, o chinelo velho pros pés cansados, o açúcar do Sucrilhos (que me perdoem os fitness, mas comer cereal de milho sem açúcar é pior que comer tempero sem miojo, um verdadeiro experimento de como a vida pode ser insossa e sem graça).   Eu acho que eu seria capaz de fazer mil associações divertidas e verdadeiras sobre o prazer de encontrar um grande amor, mas guardarei para uma outra ocasião.

Voltemos ao filme.  O roteiro contava a história de uma escritora que, ao perder o grande amor da sua vida, seu noivo, atropelado por um carro, se vê entregue ao luto, inevitável e não desejado.  E ela se entrega a esse luto por dois anos, sem forças para voltar a escrever e retomar sua vida em Nova York.   Por insistência da irmã, ela volta para a cidade que nunca dorme e passa a reencontrar seus amigos, as coisas que ama e a história que construiu ali entre aquelas paredes e não paredes de concreto e sonhos.  Todos nós temos nossos próprios lutos e devemos encontrar maneiras próprias de superá-los.  E ali no filme ficava muito claro que estar com pessoas que nos amam e respeitam a nossa dor e o nosso tempo, qualquer que seja o nosso luto, é fundamental para que possamos sair dele mais fortes do que entramos.  

E a nossa heroína escritora (qualquer semelhança é mera coincidência) encontra um meio de superar a sua dor: começa a escrever seus textos para o celular do antigo namorado, contando nas mensagens como se sente, os esforços que têm feito para retomar a vida, além de compartilhar com ele os seus pensamentos diários sobre os caminhos que se abrem nessa retomada.  É meio mórbido, mas ao mesmo tempo bonito, pois o amor não se acaba simplesmente porque o ser amado morre.  Quem amamos é sempre parte de nós, do que somos, do que sonhamos e do que acreditamos e o filme tem méritos ao nos mostrar isso.  E assim, por conta dessas mensagens, recebidas pelo novo dono do celular, a história desenrola-se naqueles enredos típicos de filmes de amor, cheios de suspiros, romance e lágrimas até o ocaso da felicidade ao final.

Muito legal a minha noite de cinema, mas eu não escreveria sobre esse filme se ele não tivesse como pano de fundo as canções da minha diva da adolescência, a Celine Dion.  Aliás, a própria Celine interpreta ela mesma na história, fazendo o papel de conselheira do herói romântico, um jornalista que também tem como meio de vida a escrita de contos sobre a vida cotidiana.   E ali, em cada música, em cada cena, eu me recordava de como as músicas da Celine embalaram tantos dos meus sonhos de amor e de vida.

O filme terminou e eu estava contagiada de música.  Coloquei a Celine no carro no último volume para me fazer companhia pelas ruas vazias de uma cidade fria num sábado à noite.  Tocou uma música, tocou outra, até que no som começaram os acordes de Because You Loved Me.  a minha música predileta da Celine (eu sei que hoje All By Myself combina mais com essas noites de sábado solitárias, mas isso não vem ao caso).  E como é bom reencontrar um grande amor, mesmo que seja uma cena, um livro, uma música.

Eu tinha 16 anos quando eu conheci Because You Loved Me estava numa fase um tanto confusa da minha vida.  Eu queria ser freira, mas ao mesmo tempo tinha vontade de viver uma história de amor incrível, na qual eu fosse uma heroína de um filme antigo e saísse pelas ruas da cidade usando meus vestidos de vó.  Mas já naquela época eu achava que amor era uma coisa muito complicada, pois eu via todas as minhas amigas cercadas de garotos e eu com um monte de espinhas na cara, usando moletons dois números além do meu tamanho e passando todo o meu tempo livre ouvindo música velha, vendo filme velho, lendo livros velhos e cercada pelas velhas da Igreja que eu coordenava na Pastoral dos Ministros da Eucaristia.   Ou seja, eu tinha 16 anos, mas vivia a vida de quem tinha 60, usando meus domingos para visitar velhinhos doentes em suas casas e levar a Santa Eucaristia e a Palavra de Deus para eles.   Agora me lembrei dos meus velhinhos e fiquei com saudades.  E foi sendo essa pessoa que eu ouvi Because You Loved Me pela primeira vez.

Eu sempre tive problemas de autoestima, eu nunca me senti parte das coisas, porque desde sempre eu pareço ser diferente.  E por ser assim, eu sempre encontrei na minha fé um refúgio, como se Deus, por ser Deus, fosse de fato capaz de me entender e entender essa confusão da minha alma.  Enquanto eu queria genuinamente ser uma freira carmelita e ao mesmo tempo conhecer um príncipe encantado que me levasse ao altar, eu ouvia Because You Loved Me para dizer a Deus que, naquela confusão, eu sabia Ele sempre me amou e iria me amar para sempre, escolhesse eu qualquer um dos caminhos, porque amor é liberdade, é Deus nos fez livres para sermos felizes.

Because You Loved Me se tornou, desde então, a minha oração, a  música a qual eu recorro quando preciso me lembrar não só de quem eu sou, mas também do que acredito e aonde quero chegar.  E foi bom reencontrar essa sensação numa noite em que eu genuinamente precisava me sentir amada por Deus.

You gave me wings and made me fly
You touched my hand I could touch the sky
I lost my faith, you gave it back to me
You said no star was out of reach
You stood by me and I stood tall
I had your love I had it all
I’m grateful for each day you gave me
Maybe I don’t know that much
But I know this much is true
I was blessed because I was loved by you

Você me deu asas e me fez voar
Você tocou minha mão, eu toquei o céu
Eu perdi minha fé, você me trouxe ela de volta
Você disse que nenhuma estrela estava fora de alcance
Você ficou do meu lado, e eu suportei
Eu tive seu amor, eu tive tudo
Eu sou grata por esses dias que você me deu
Talvez eu não saiba muito disso
Mas eu sei que isto é muito verdadeiro
Eu fui abençoada porque eu fui amada por você

Because You Loved Me – Celine Dion

Como diz a canção principal do filme: “It’s all coming back to me now”, ou “Tudo está voltando para mim agora”. Eis a mensagem de amor que recebi quando, sem eu pedir, o Cara lá de cima me fez companhia no cinema e resolveu me lembrar de que sempre é tempo de superar o luto que vira e mexe toma conta da minha alma. E quando a gente supera o luto, seja ele qual for, temos a obrigação de abrir a janela do carro da vida e gritar bem alto a nossa felicidade em reencontrar o caminho de volta para casa! 🙂

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Três maneiras de ver o céu – reflexões da janela do avião

E no meio de um inverno
eu finalmente aprendi que havia dentro de mim
um verão invencível.

Albert Camus

Semana passada estava em Porto Alegre trabalhando e eu simplesmente amo aquela cidade.  Já chego no aeroporto e solto todo o meu rico vocabulário gaúcho: bah!, tchê, bah! de novo – já que lá no sul do sul do Brasil, bah! é quase como “trem” em Minas: serve para todas as coisas! Estou surpreso, bah!… triste, bah!… quero manifestar emoção, bah! – e por aí vai.  Eu adoro imitar sotaques, embora não tenha talento para os mais complicados.  No dia em que eu conseguir imitar o sotaque dos catarinas eu terei realizado uma das metas da minha vida – a outra é entrar na Carreta Furacão.

Siga em frente, olhe para o lado. Se liga no mestiço na batida do cavaco…

Vem dançar o mestiço – Leandro Lehart (música oficial da coreografia famosa da Carreta Furacão

Mas não sei vocês, mas uma das partes que eu mais curto quando estou viajando é a volta pra casa.  Crio expectativas para reencontrar minha cama, meu travesseiro e minha rotina.  Acho bem cansativo ficar muito tempo longe das minhas músicas, das minhas andanças, das coisas que me são familiares e de todo o pouco que eu considero realmente meu.  Talvez por isso eu ame as viagens curtas, que sempre me deixam com saudade.  Me sinto um tanto discípula de Nelson Rodrigues que disse que “o sujeito deixa de existir, deixa de ser, durante uma viagem”.  Isso é muito real para mim e, embora eu discorde dele no complemento que ele deu à frase anterior ao concluir que é “a viagem a mais empobrecedora, a mais burra das experiências humanas”, eu consigo entendê-lo, pois para mim essa sensação de estar em casa, dentro do meu mundo de sentido, é muito importante.

Voltemos à viagem! Estava eu indo para a fila do embarque para Curitiba e o céu estava deslumbrante na visão que eu tinha da pista de dentro do terminal de embarque.  Olhei bem para aquele céu e me lembrei de que, no check in, só me restara uma poltrona no corredor.  Pensei comigo mesma: Ah, Aline, já é quase hora do pôr do sol e você não conseguirá vê-lo de lá de cima porque demorou para reservar o assento.  Bem, eu não queria perder o pôr do sol então eu resolvi apelar:

Deus, eu não queria que ninguém sentasse do meu lado hoje para eu conseguir ver o pôr do sol.   Se for da sua vontade, eu ficaria bem feliz.  

E lá fui eu entrando no avião e caminhando em direção à minha poltrona, na última fileira.  E realmente não tinha ninguém lá.  O avião fechou as portas e a criatura que estaria ao meu lado ocupando o lugar da janela não apareceu.  E eu, bem feliz, me sentei ao lado da janela e me preparei para contemplar o sol dando tchau acima das nuvens.  Deus realmente escuta os nossos pedidos, isso é fato, mesmo os mais simples, mas havia um problema: do lado em que eu estava, o céu já estava quase escuro e bem cinza.  Mas na fileira do outro lado, na qual também só um homem estava sentado, o céu estava bem laranja e o sol enorme se colocava bem no centro da última janela.  

De um lado, o céu cinza e, do outro lado, o céu laranja! E duas formas de se ver o mesmo céu!

Eu, como boa filósofa de boteco que sou, comecei a refletir sobre as lições que aquela imagem trazia para a minha vida. E eu viajei dentro das minha viagem pelo céu.  Pensei em quantas vezes eu só vi um lado de uma paisagem, de uma situação, de um problema e nas tantas vezes em que eu foquei a minha visão no cinza, no escuro, como se aquele fosse o único caminho existente.  E eu não digo que eu estava errada, mas o processo de envelhecimento e amadurecimento interior me trouxe ferramentas que eu não tinha antes – a vida me deu óculos e, com eles, eu fui capaz de enxergar o que estava oculto embaçado ao meu redor.

Enquanto eu contemplava aquele contraste tão evidente, o sol que se punha no oeste e o céu cinza do leste, eu me dei conta dos anos em que escolhi, voluntariamente, por insegurança, timidez, tristeza e medo, permanecer no escuro, como se toda a minha existência fosse uma história sem nenhum propósito ou sentido.  E olhando para o céu daquela tarde e também para mim mesma, eu me dei conta de que tudo tem três lados.

Três? 

Sim, três: o lado que a gente vê, o lado que a gente só enxerga se se esforçar para enxergar e o lado que a gente interpreta.  E a gente só consegue juntar esses três lados quando se reconhece como criatura e não como dono da verdade e abre as janelas do nosso coração para contemplar o que há fora de nós.

O sol se pôs, eu cheguei em casa.  No outro dia, o céu, visto da janela do meu quarto, amanheceu cinza. Mas eu sabia que ele estava ali, presente, fora e dentro de mim:

Nunca mais abro a janela do meu quarto
Num dia cinza
Sei que o sol fica dormindo atrás das nuvens
Não ilumina

Nem penso muito no que pode acontecer
Enquanto arrumo todas as coisas que eu sinto
O meu passado e o meu destino
E espero que o fim da tarde venha com você

Fim de Tarde com Você – Acústicos e Valvulados

Enquanto houver esperança e vontade, o pôr do sol será sempre perfeito, mesmo que a gente não enxergue isso de forma plena nos dias em que a nossa alma está pintada de cinza. Continuo eu a buscar – e esperar – pelo fim de tarde feliz e laranja, porque tudo é mais bonito quando a nossa alma é colorida!

Letras de Segunda – A rosa de maio, mamãe e a certeza de uma casa no céu

Eu já escrevi aqui algumas vezes que a minha memória é péssima.  Eu esqueço nomes, esqueço histórias, esqueço coisas boas e ruins e às vezes tenho a impressão de viver em uma permanente folha em branco, uma folha pesada, mesmo que eu não lembre muito bem porque ela se parece tão pesada às vezes.  Como diz uma amiga minha, eu tenho vocação para ser otimista – e talvez isso aconteça porque eu não dou muito valor aos meus tombos e nem aos meus dias de glória já que a minha memória tem um defeito de fábrica que a impede de valorizar demais o passado – e sofrer por anos meditando ele.

Mas se a minha memória é péssima para as histórias – e talvez daí resulte a minha insistência em registrar minha vida escrevendo para me lembrar do caminho – a minha memória é um verdadeiro prodígio quando se trata de datas.  Sim, eu sou um coração gelado com uma capacidade incrível de processar datas inúteis ou úteis.  Eu guardo como ninguém aniversários aleatórios, datas em que fiz algumas coisas nada convencionais, mas que marcaram momentos importantes. Outro dia me dei conta de que me lembro dos dias em que me apaixonei, algumas vezes me lembro até da hora.  É estranha essa minha ligação com os números, mas enfim, é o que eu sou.

Engraçado que hoje eu conversava já de manhã com um amigo sobre essa questão dos números na nossa vida.  Ele, como eu, tentava encontrar algum sentido no modo como fazemos as nossas escolhas de vida e nos caminhos que tomamos por nossos, como se algumas coisas estivessem escritas no nosso destino desde que nascemos.  Eu disse a ele que gostaria de que a minha numerologia me dissesse que eu sou especial e good vibes e que tivesse me levado a participar hoje da coroação do rei que eu não gosto, lá na Abadia de Westminster, mas concluí que não nasci com a mesma estrela de quem já fez visita íntima na cadeia e tem gosto duvidoso para escolher vestidos cor de abóbora.  Sim, se tudo for destino, não nasci para me hospedar em hotéis de luxo e participar de banquetes reais com aquela víbora feia e sem carisma que hoje se tornou rainha (nunca no meu coração).  

Protestos registrados, sigamos com a questão das datas.  No próximo dia 09 de maio fazem 18 anos da primeira vez que eu chorei copiosamente na vida.  Pelo menos, a primeira vez da qual eu me lembro.  Aline, quem lembra de um dia em que chorou? Eu me lembro.  E senta que lá vem história!

Era uma manhã de segunda-feira do ano de 2005, Lembro-me de que eu tinha 23 anos e estava em pé na cozinha da minha casa em São Paulo, tomando leite e comendo uma maçã antes de pegar o carro e sair, já atrasada para o trabalho.  Eu acho que eu entrava umas 09h no Centro e era 08:30h e eu ainda estava em Santo Amaro.  No dia anterior tinha sido celebrado o dia das Mães – o primeiro que passamos sem a minha mãe, uma data estranha de se comemorar quando a gente não tem mais mãe e ainda não é mãe – e também, como uma triste coincidência, 6 meses da morte da minha mãe.  Seis meses são 180 dias, uma infinidade de horas e de minutos em que me mantive firme e tentando parecer conformada com a morte da mamãe.  Por tantas vezes eu chorei naqueles meses, mas era como se chorar fosse como uma ingratidão, um questionamento a Deus – e uma não aceitação da vontade Dele.  Então, para não parecer ingrata, todas as vezes em que eu começava a chorar, eu logo parava, porque eu tinha que ser fiel ao que eu já acreditava e me manter firme como achava que uma mulher deveria ser.

Naquele dia, já que eu já estava atrasada e não tinha mais ninguém em casa, eu liguei o rádio para ouvir os programas que minha mãe ouvia pela manhã.  Acho que cedinho era o programa do Eli Correa ou do Gilberto Barros em alguma rádio AM e às 08h começava o programa do Padre Marcelo.  Fazia tempo que eu não escutava o programa do Padre Marcelo, porque naquele horário eu já estava indo para a Câmara Municipal e no trânsito eu escutava a Nova Brasil FM – a minha companhia até hoje quando estou a dirigir em São Paulo.  Mas calhou de naquele dia eu estar em casa e poder escutar o programa.  

E foi um negócio estranho… Logo quando começou o programa, o Padre Marcelo disse que o programa daquele dia seria dedicado a rezar pelas famílias que haviam perdido recentemente entes queridos.  Eu respirei fundo, apoiei as mãos na pia e comecei a chorar de soluçar, como não tinha ainda chorado naqueles últimos seis meses.  Eu não conseguia parar de chorar, eu soluçava, eu perdi o ar, eu tremia, numa das sensações mais escuras e tristes que já senti na vida.  O Padre Marcelo então parou a oração que fazia e disse assim:

“Deus me mostra uma moça que está na cozinha chorando sem parar porque ontem fez seis meses que a mãe dela morreu… minha filha, Deus te diz para você acalmar o seu coração, porque sua mãe já está no Céu junto Dele… Chore de saudade, mas não de tristeza, pois sua mãe está feliz e está olhando por você e pelos seus irmãos… vocês nunca estarão sozinhos!”

Padre Marcelo, num programa de 18 anos atrás na Radio Capital – SP

Respirei.  Chorei mais.  Tive a certeza de que Deus me considerava pra caramba, porque teve a delicadeza de me dar uma notícia que a maioria de nós passa a vida sem receber.  Então, dou graças a Deus por ter uma memória ótima para datas! Afinal, eu posso celebrar o dia em que tive a certeza de que o céu não só existe, mas minha mãe está nele.

É engraçado como as coisas vão fazendo sentido… Por uma série de acontecimentos, essa semana eu me confrontei com uma situação que eu tenho lutado para superar há algum tempo.  E aí, quando você é obrigada a lidar horas com algo que você prefere não pensar, a cabeça vira uma verdadeira oficina mecânica com seus barulhos intensos e constantes.  Eu não gosto desses barulhos, porque eles me fazem olhar para a minha vida e me sentir triste por não conseguir vencer meus próprios sentimentos, mesmo sabendo que eles não são corretos ou ideais.  Cheguei na frente do Sacrário e vomitei tudo o que me incomodava para Deus, dizendo que Ele deveria fazer a parte Dele também e me ajudar a sair dessa fossa, não me deixando sozinha em horas assim.

Eu sei, o mundo não gira ao meu redor, mas tem dias que eu gostaria que ele girasse.  Imaginem um mundo Alinecêntrico? Deus é muito sábio por não me dar tudo o que eu gostaria que Ele me desse: certamente, o meu mundo já teria virado de cabeça para baixo.   Eu me sinto sozinha quase sempre, mas em alguns dias essa sensação piora.  Hoje fiquei feliz por me lembrar que a data da confirmação do céu está chegando – e só contei toda essa história aqui porque acordei e fiquei horas na cama antes de descer para o quintal e ver que a minha rosa que me recorda minha mãe está, mais uma vez, se abrindo na semana do dia das Mães.  

Eu gosto de pensar que Deus é bem delicado ao me mostrar as coisas… E me ama tanto que sempre me dá um pouco de poesia quando eu me sinto triste e culpada por achar que eu sou uma alecrim eternamente solitária no mundo.  Quem tem uma mãe, seja aqui ou lá em cima, nunca estará sozinho.  

Mais um maio chegou, mais uma rosa se abriu – no caso deste ano, duas rosas.  E assim o tempo passa.  Mãe, a cozinha de São Paulo já não existe mais, o Padre Marcelo ainda canta aquela música que você gostava na missa, lembra:

E ainda se vier noite traiçoeira
Se a cruz pesada for, Cristo estará contigo
O mundo pode até fazer você chorar
Mas Deus te quer sorrindo

Noites Traçoeiras – Padre Marcelo Rossi

Hoje existe uma coisa chamada YouTube que é como uma televisão no computador e eu vejo as missas dele por lá.  Obrigada por me lembrar de que você está sempre comigo aí no céu com a abertura da rosa de maio.  Eu já fui à igreja me confessar, mas como você está mais perto, pede pra Deus ter paciência comigo.  Eu gosto de reclamar, de falar, mas meu coração no fundo, bem lá no fundo, é bom e eu vou melhorando com o tempo (só mãe para falar assim da gente com tanto amor para Deus).  Fala pra Deus, por fim, que eu gosto de ter a memória boa para datas.  No fim, é legal pensar que isso talvez seja um presente dos céus para que eu tenha sempre os marcos que fazem o meu caminho.

Tô ouvindo a Nova Brasil (agora no celular, mãe, eu saí de São Paulo, mas São Paulo não sai de mim) e tá tocando um samba agora com os seguintes versos:

A luta está difícil, mas não posso desistir
Depois da tempestade, flores voltam a surgir
Mas quando a tempestade demora a passar
A vida até parece fora do lugar
Não perca a fé em Deus, fé em Deus
Que tudo irá se acertar

Fé em Deus, Reinaldo

Você e Deus são muito queridos e delicados, mãe! Obrigada por tanto!
Um beijo com saudades!  🙂

 

Letras de Segunda – Eu sou uma péssima roteirista – ainda bem!

Outro dia, tive a tarefa de escrever um roteiro para um material do trabalho e confesso que tive dificuldade em ordenar uma sequência na minha cabeça, pois eu percebi que eu preciso imaginar uma cena para conseguir descrevê-la.  Sim, eu sei que isso é óbvio – todo roteirista primeiro imagina a sua obra, para depois dar vida a ela – mas a minha dificuldade foi justamente conseguir descrever uma cena de forma objetiva, porque eu perco tempo demais imaginando os detalhes.

Eu poderia simplesmente dizer: a atriz entra na sala e diz blá, blá, blá, mas eu começava a pensar na cara da atriz, no seu tom de voz, na maneira em que ela olhava para a câmera, se sorria, se vestia um vestido e como estava o seu cabelo… aí, uma tarefa que poderia ser simples, se transformou em um verdadeiro tratado sobre vários aspectos que, a princípio, não parecem relevantes ou importantes, mas que na minha cabeça ganhavam uma dimensão estrondosa.

Isso me levou a pensar sobre os roteiros e as histórias que construímos ao longo da vida.  Os roteiros que escrevemos na nossa imaginação, nas noites em que temos dificuldades para dormir, porque não conseguimos parar de pensar em uma determinada situação.  E todos nós somos roteiristas por vocação – e necessidade e, sem perceber, fazemos da nossa vida um grande roteiro – e nos decepcionamos quando a história ganha vida própria e parece não obedecer ao que imaginamos ao criá-la.

Vamos a um exercício prático: pense uma vez em que você se apaixonou por alguém: a paixão é um bom exemplo, porque ela sempre é acompanhada de um roteiro preliminar.  Você conhece alguém e aquele alguém te encanta de tal forma que você começa a construir uma história que ainda não existe ou é real, mas que já tem forma na sua cabeça.  Você imagina o dia em que encontrará aquela pessoa de novo, você começa a imaginar o que vocês podem conversar, você pensa em modos de se aproximar, você pensa nas suas falas – e nas falas do outro alguém em resposta às suas ações, sem contar que este roteiro é acompanhado por sensações, palpitações, cheiro, toque… Ou seja, a história já existe na sua cabeça, mas ela é simplesmente um roteiro idealizado de algo que ainda não tem forma real.

E às vezes, a forma real é melhor que o roteiro, mas tem vezes que o roteiro é totalmente inutilizado por condições que estão além da nossa vontade: você não consegue conversar com a pessoa, vocês não têm química para suportar 15 minutos juntos, ela é comunista e você é conservador, ela já está comprometida em outro relacionamento.  E aí, qual é a sua reação?

Muita gente se desespera – afinal, criar um roteiro é uma tarefa árdua e emocionalmente desgastante e a gente nunca pensa que terá que jogar o roteiro no lixo depois de tanto esforço.  Dizem que a vida é uma folha em branco, mas eu não concordo muito com isso.  Acho que nós, quando nascemos, carregamos um pouco dos roteiros de todos aqueles que nos precederam e nos trouxeram até aqui.  Mas embora eu seja também resultado de roteiros que deram certo e errado, eu tenho a caneta para escrever e rabiscar meus próprios roteiros, entre a redenção e o esplendor de escrever e reescrever uma história que tenha a minha personalidade, o meu mundo de sentido.

Eu joguei alguns roteiros que escrevi para o trabalho no lixo.  Também joguei fora alguns roteiros que escrevi para a vida, mas que não se tornaram o que eu sonhei para eles.  Enfim,  talvez a coisa mais importante não seja escrever um roteiro perfeito, mas utilizar as ferramentas e situações que aparecem na nossa frente como uma boa caneta, que pode nos levar a letras, palavras e frases que não poderíamos conceber antes de conhecê-las e vivê-las.  

Aprendi que eu sou uma péssima roteirista, mas estou no caminho de me tornar uma escritora criativa, fazendo dos limões apetitosas caipirinhas ou, quando falta açúcar, deliciosos acompanhamentos para uma boa cerveja ou água gelada.   Criatividade e adaptação são mais importantes que perfeição – tanto na escrita, como na vida!

As histórias têm vida própria – e é necessário deixá-las livres para que elas ganhem vida – mesmo que os finais não sejam os mesmos que tenhamos imaginado inicialmente.  Talvez você não se imagine um roteiro de sucesso, mas convenhamos: embora a gente tente padronizar tudo, mesmo o sucesso é algo relativo: eu me sinto a pessoa mais feliz e realizada do mundo quando me sento em frente ao mar ou contemplo as estrelas em uma noite bonita.  Se a história tem vida própria, o que importa de fato é o que fazemos com o que recebemos dela.

Entender que o meu roteiro e a minha história só podem ser escritos e vividos por mim: eis o meu final feliz!

Recomeçar de vez – Roberta Campos e Pedro Batistella – a história de um roteiro que não saiu do jeito que foi imaginado e concebido, mas foi o que o tempo construiu e foi vivido.

Letras de Segunda – Um dia de sol, borboletas e crianças em excursão: nostalgia, fantasia e felicidade

Hoje o dia estava lindo e no lugar em que eu moro, dias de sol costumam destacar diversas cores, que dão vida a tudo que está ao meu redor no céu e na terra.  Moro perto de uma praça que é também um projeto urbanístico, ou seja, são diversos quarteirões com árvores de frutas, quadras de esportes, inúmeras variedades de pássaros e borboletas de várias cores, que enchem o meu entorno de uma vida pulsante.  Isso é encantador, pois a minha casa fica a menos de 1 km do centro de Curitiba e, em dias como o de hoje, eu tenho a sensação de morar em um local pacato e pitoresco.

Acho que Deus nos coloca nos lugares certos por motivos que talvez a gente não entenda na hora, mas que vão fazer sentido no futuro.  Eu moro na mesma região há anos, mas assim como a nossa vida vai mudando, a nossa percepção da paisagem também muda.  Eu sempre achei tudo por aqui lindo, mas hoje esse local lindo é parte essencial do que eu considero felicidade.   Eu percebi, ao longo dos últimos anos, que eu preciso de muito pouco para ser feliz e, como não basta só perceber, mas também aceitar, eu aceitei o desafio de me despojar de tanta coisa que eu sempre considerei importante para viver uma vida mais simples, mas cercada de Deus em todos os seus lados.

Se eu fosse uma influencer ou alguém que vivesse para vomitar regras de vida, eu certamente daria um nome bonito a esse movimento que venho vivendo.  Muita gente chama isso de minimalismo ou de liberdade por não estar preso a nada e poder viver conforme o vento.  Eu não posso viver conforme o vento, porque eu tenho dois filhos e contas para pagar.  Eu preciso de segurança, de estabelecer raízes para que meus filhos possam encontrar galhos firmes para voarem para onde quiserem.  De qualquer forma, eu entendi que não fortaleço raízes adquirindo coisas e bens, o que era uma grande fonte de angústia para mim antes já que, em um determinado momento da minha história, fatores externos tornaram pesado demais o fardo de carregar uma vida sozinha.

Ainda bem que o tempo passou e as coisas foram se ajeitando.  E por conta dessa benção que é o tempo, eu me sinto feliz em sentir o sol na pele, quando saio para minhas caminhadas solitárias pelas ruas tão cheias de vida.  Eu falo solitárias, mas essa não é realmente a palavra adequada.  Sempre, todas as vezes que saio para minhas viagens a pé, sou acompanhada por borboletas, que parecem ter a função de me mostrar que, aconteça o que acontecer, a beleza e a delicadeza sempre farão parte do meu mundo.  

Por um tempo, fui acompanhada por borboletas amarelas.  Dizem que é sorte.  Eu sempre que as vejo me lembro de Cem Anos de Solidão e de como Gabriel Garcia Marquez descreve a personagem de Mauricio Babilonia, sempre acompanhada por borboletas amarelas em suas visitas a Renata Remédios.  Muitas outras vezes, as borboletas são brancas ou marrons.  Hoje vi uma borboleta azul pulsante e uma verde Palmeiras, as duas tão lindas e grandes voando sempre na altura dos meus olhos, à frente do meu caminho.

Hoje, nesse dia de sol, encontrei, além das borboletas, crianças em um daqueles ônibus de excursão que deveriam estar indo para algum passeio da escola ali no centro.  Elas deviam ter 6, 7, 8 anos e estavam super felizes dando tchau a todos que passavam pelo caminho delas.  Eu parei no semáforo e o ônibus parou também.  Elas me deram tchau e ficaram muito felizes quando eu retribuí, sorri e acenei de volta.  Juntaram várias para me mandar beijos e mais acenos, além de sorrisos tão cheios de tudo o que importa.  Que felicidade e que nostalgia ver crianças dando tchau a desconhecidos no trânsito.  Quando eu era pequena, sempre ficava no banco de trás, cada vez que saía com meu pai, dando tchau para os motoristas do carro que parava atrás de nós.  Às vezes, mostrava a língua também, mas que atire a primeira pedra quem nunca quis se divertir irritando um motorista desconhecido.

As crianças olhavam para fora.  Hoje é tão comum a gente se fechar no nosso próprio mundo e viver olhando para baixo, para as vidas virtuais que parecem nos fazer companhia, mas são só mais um sintoma da nossa solidão e da nossa incapacidade de construir relações reais uns com os outros.  Não, eu não quero dar voz à minha criança interior, pois ela não existe mais.  Eu cresci e tenho que ser feliz no meu mundo de adulta, sem ficar tentando encontrar uma criança que era imatura e que não percorreu o caminho que eu percorri para chegar até aqui.   De qualquer modo, as crianças têm muito a nos ensinar – e certamente essa capacidade de olhar para fora e maravilhar-se com o mundo é uma das características mais incríveis que podemos aprender e desenvolver com elas.

Hoje vim escrever no quintal, porque às vezes a gente tem que sair dentro de tudo o que nos impede de sentir a vida como ela realmente é.  Na vida que existe aqui fora, a gente sente frio, sente calor, às vezes se incomoda com pernilongos ou com a garoa fina sobre a nossa pele.  Mas na vida aqui fora, o ar tem outro cheiro, o céu tem estrelas e a lua pode aparecer para uma visita.  Quem olha para fora, é capaz de ver as crianças sorrindo e sorrir de volta para elas.  

Gostaria que todos os dias fossem como de hoje, com borboletas, sol e crianças felizes.  Gostaria de ter mais noites como a de hoje, com vitórias do Palmeiras e quintal para escrever tudo o que eu sinto e que pulsa dentro do meu coração.  Deus é misericordioso demais e dias e noites assim só me dão a certeza disso.

E para o futuro, já que eu não pretendo planejá-lo, mas posso seguir sonhando com algo bom, eu deixo aqui registrado como inspiração para o Papai do Céu, os versos de uma das minhas canções prediletas, para que eles me recordam de que, em tempos difíceis ou dias felizes

I took the good times, I’ll take the bad times
Eu aceitei os bons momentos, eu aceitarei os maus momentos

Just the way you are – Billy Joel

e que, reserve o destino o que me reservar,

I’ll take you just the way you are
Eu te aceitarei do jeito que você é

Just the way you are – Billy Joel

Aceitarei o destino e farei o meu melhor

Don’t go trying some new fashion
Não vá tentar alguma nova moda

Just the way you are – Billy Joel

E, mantendo-me fiel ao que acredito, busco e sinto, encontrar pelo caminho, aquilo ou aqueles que não me ofereçam somente o que passa

I don’t want clever conversation
Eu não quero uma conversa inteligente
I just want someone that I can talk to
Eu só quero alguém que eu possa conversar

Just the way you are – Billy Joel

E que se sinta extremamente rico e feliz por poder apreciar noites com sol e sorrir de volta para as crianças da excursão.

Estou com sono e vou dormir… e já que o texto fala sobre crianças, tudo isso que escrevi pode

A whim away, a whim away
Uma fantasia distante, uma fantasia distante
In the jungle, the mighty jungle, the lion sleeps tonight
Na selva, a selva poderosa, o leão dorme hoje à noite

The lion sleeps tonight – The Tokens

Boa noite!

Letras de Segunda – Domingo de Ramos: que só me reste o burro

Hoje é o dia em que os católicos são convidados a celebrar a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.  O Domingo de Ramos, que dá início à semana santa é, para mim, uma grande alegoria da vida real, da vida de cada um de nós, na qual os altos e baixos são parte presente e constante.  O Jesus que é saudado hoje como o Rei e redentor dos judeus, será capturado e morto em poucos dias, passará pela humilhação suprema antes de ressuscitar ao terceiro dia depois de crucificado, no maior e mais sagrado dos mistérios.

Todos os anos, nesse dia, eu penso no burro que carrega o Cristo e quão incrível é ver o maior de todos nós entrando em Jerusalém no lombo de um burro.  Jesus poderia ter escolhido um bonito cavalo, certamente mais imponente e condizente com a condição pela qual é celebrado naquele momento, mas não… ele precisa ser conduzido e fazer sua história do alto de um burro, para nos ensinar algumas lições que, a princípio, não são tão aparentes, mas são essenciais.  

A primeira dessas lições é a seguinte: uma boa história, uma boa vida, não precisa de coisas grandiosas para ser incrível.  Jesus escolheu um burrinho para nos mostrar que não importa o modo como você chega em algum lugar, mas sim a mensagem que você deixa ou constrói enquanto está lá.  Quantos de nós vivemos para mostrar aos outros o quão especiais somos – e fazemos isso através das coisas que temos, das roupas que vestimos e da imagem que construímos.  Um burro não é, e nunca foi, nenhuma celebração de status ou sucesso.  Pelo contrário: é um animal tido por sem valor, mas que serviu de forma grandiosa ao próprio Deus. 

A segunda lição também é muito importante! Jesus é saudado em Jerusalém e celebrado por uma multidão que o aplaude e venera.  Ele sorri e deve ver em seu caminho conduzido pelo burro, outras pessoas sorrindo felizes.  Se Jesus não fosse Jesus, se ele fosse como tantos de nós, ele poderia ser seduzido pelo amor da multidão e feito do fim de sua vida uma busca incessante pela própria glória.  Ele é celebrado como um rei, ele sabia que era filho de Deus, então ele poderia escolher ser rei já aqui neste mundo, mas ele sabia que não era essa a sua missão.  Jesus nos ensina que a única escolha possível é aceitar a cruz como necessária à glorificação da nossa existência.  Se ele recusasse a cruz, todo o projeto de Salvação seria anulado, mas ele se mostra submisso à vontade de Deus e aceita carregar uma cruz para servir de exemplo a cada um de nós.  Jesus se doa inteiramente ao que deve fazer, mesmo que isso implique em morrer por aquelas pessoas que hoje o celebram, mas que em breve pedirão pela sua morte.

O burro se doa ao Cristo e o Cristo se doa a nós, sem pedir nada em troca.  O primeiro mandamento nos ensina que devemos amar a Deus sobre todas as coisas, mas só podemos amar a Deus sobre todas as coisas, porque Deus nos amou antes, acima de todas as coisas.  Não existe nada maior no mundo do que essa constatação: só podemos amar a Deus porque Deus nos amou primeiro e nos ama desde sempre.  E como ele nos mostra esse amor? Se doando inteiramente pela salvação de cada um de nós.

Talvez você não seja católico, nem tampouco cristão, mas isso não te impede de entender as lições dessa cena que eu descrevi acima.  Um homem que é celebrado para depois morrer assassinado pelos mesmos que o festejam nos ensina que nós não devemos acreditar e fiar nossa vida na aceitação dos outros.  Esse Jesus que entra em Jerusalém no lombo de um burro está ali para se doar, para fazer da sua vida um dom para o mundo.  Ele não fez isso porque era um cara legal, bonzinho e com consciência social.  Ele fez isso porque ele queria nos mostrar que a vida só tem sentido quando você pára de olhar para a sua própria dor, para o seu próprio umbigo e para o mundo como um espelho, e passa a viver como um dom, como alguém que realmente veio ao mundo para transformar e dar amor àqueles que cruzarem o seu caminho.

Ele não veio para doar-se para se beneficiar e vir na outra vida como um espírito evoluído.  Ele veio para morrer.  E ele aceitou a sua cruz, a sua dor, como uma missão.  Ele não veio ao mundo para salvar-se a si mesmo.  Ele veio ao mundo para salvar gente como eu, como você, que é egoísta, vaidoso, se acha melhor que os outros porque têm dinheiro, um cargo que te paga um salário qualquer, um corpo siliconado e se sente importante porque tem seguidores no Instagram.  É gente assim que ele amou até as últimas consequências – e é gente assim que cada vez mais ignora isso.

Ontem alguém me disse que eu rezava porque tinha medo…  Pelo contrário, cada vez mais eu vejo que ter fé é um puta ato de coragem e valentia nos dias de hoje.  Eu rezo, eu creio, porque Deus fez tudo isso que eu contei acima por mim. E eu desejo, imitando o Cristo, ser cada vez mais insignificante e desimportante, para que só me reste o burro que vá me carregar para a verdadeira e desejável glória.

Pouco importa o que digam: uma vida plena é aquela em que nós aceitamos a cruz, o burrinho e uma vida decaída por crermos que só a glória de Deus nos é necessária.   E como síntese desse espírito, eu deixo aqui um poema de Chesterton sobre o burro, traduzido por Sergio Pachá.   

Que nessa semana, celebremos o burrinho, a cruz e a vitória sobre tudo o que é finito e imperfeito.  Um bom caminho de semana santa para todos!

THE DONKEY

When fishes flew and forests walked 
And figs grew upon thorn, 
Some moment when the moon was blood 
Then surely I was born; 

With monstrous head and sickening cry 
And ears like errant wings, 
The devil’s walking parody 
On all four-footed things. 

The tattered outlaw of the earth, 
Of ancient crooked will; 
Starve, scourge, deride me: I am dumb,
I keep my secret still. 

Fools! For I also had my hour; 
One far fierce hour and sweet: 
There was a shout about my ears,
And palms before my feet. 

G. K. Chesterton

O BURRO

Quando os peixes voavam e as florestas 
Moviam-se e espinheiros davam figos,
Num momento em que a lua era de sangue,
Eu decerto nasci: tempos antigos.

Com uma cabeça enorme e um grito ascoso
E orelhas – duas asas aberrantes –,
Sou a paródia mesma do demônio
Por entre todos mais quadrupedantes.

A andrajosa escumalha deste mundo,
Cuja perversidade não tem fim,
Escarnece-me, bate-me, esfomeia-me,
E eu guardo o meu segredo para mim.

Estultos! Eu também tive uma hora, 
Distante e doce e minha – uma hora ardente:
Bradava a multidão à minha volta
E espalhava-me palmas pela frente.

Tradução de Sergio Pachá

Letras de Segunda – Tudo passa e o planeta continuará para sempre azul

Minha cabeça está fervendo nos últimos dias.   Tenho pensado em tanta coisa, a impressão que eu tenho é que me faltam palavras para dar vida a tudo que está na minha mente.   Se a minha vida fosse um filme, eu estaria agora naquela parte do roteiro em que as coisas parecem resolvidas e tranquilas, mas todo bom roteiro nunca acaba nesta parte e, como na vida real, um bom script, uma boa história, tem seus momentos de calmaria antes de uma tempestade.

Mas tá tudo bem, é preciso aceitar esses momentos, esses altos e baixos, esses tempos de espera por algo que não sabemos o que é, mas que virá.  Não sei vocês, mas eu recebo recados do universo de tantas formas… até em Reels do Instagram – que tantas vezes parecem ser respostas a algumas das minhas angústias e orações.  Ontem recebi um que dizia que tanto coisas ruins, como coisas boas passam – e que o tempo é sempre nosso maior aliado, que basta esperar que o nosso destino chegará até nós, quando for o tempo certo.

Oh, tempo, tempo, tempo… Existe um tempo certo para todas as coisas e, tal como nos ensina o livro de Eclesiastes, “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”.  A vida tem me pacificado em relação a essa questão e eu, apesar de não querer viver 120 anos, como disse no texto anterior, estou empolgadíssima em envelhecer, pois a impressão que eu tenho é que o tempo passa mais devagar à medida em que os anos vão se empilhando uns sobre os outros.  E sim, eu que sempre fui muito acelerada, me sinto em paz ao perceber que a vida pode correr mais devagar, sem todos aqueles arroubos emocionais que me assaltaram desde que eu me entendo por gente.

Nunca pensei que eu diria isso, mas é maravilhoso perceber que eu não vou mudar o mundo, que eu sou simplesmente uma mulher, uma mãe de dois filhos, uma jovem senhora que já sente alguns dos limites da idade e que não tem pretensões maiores do que ser a melhor pessoa dentro dos propósitos que fiz para a minha vida.  Eu já quis tanta coisa, eu já fiz tantos planos, e agora eu percebo o quão tola eu fui todas as vezes em que eu achei que poderia impor ao mundo que ele atendesse todos os meus desejos.  Quanto tempo a gente gasta sonhando as coisas erradas, procurando pelas sensações erradas, pelos sentimentos que passam, como bem me lembrou o Reels de 30 segundos no Instagram.  E é bom chegar nessa fase do filme em que o tempo simplesmente passa.

Trinta segundos podem nos ensinar muitas coisas… 41 anos também.  Outra forma de receber meus recados tem sido dar tempo a conversas totalmente despretensiosas que tenho com pessoas que passam pelo meu caminho.  A frentista do posto, uma senhora com a idade para ser minha mãe, me disse que aprendeu a pilotar uma moto poucos anos atrás, porque não tinha dinheiro para manter um carro e não tinha mais idade para esperar por horas por um ônibus.  Um mocinho cheio de sonhos me contou, na fila do caixa do mercado enquanto passávamos as compras, que chegou em Curitiba uns meses atrás e deixou a família em São Paulo para vir viver com seu namorado por aqui… E disse que sempre ia no mercado à noite para pegar as promoções do feijão já pronto, já que depois das 20h, o mercado vende os produtos do dia da rotisseria e cozinha com 50% de desconto.  E que ele não tinha como congelar feijão, porque na casa em que mora não tem freezer, nem panela de pressão…ele me disse que sentia falta de São Paulo, como eu também sinto muita, pois as pessoas daqui não são muito abertas a quem é de fora.  A moça se senta ao meu lado na praça e conta que ajudou uma amiga a sair da depressão e encontrar seu caminho no mundo… um colega de trabalho compartilha que está feliz porque encontrou um amor, enquanto a moça da limpeza vem me ajudar a organizar um lanche para um evento e fica toda feliz quando eu a agradeço com um abraço, um sorriso e uma empadinha – a melhor empadinha da vida, segundo ela.  Eu dou risada e digo, é porque você nunca comeu a empadinha da minha mãe, era perfeita!   Quem vive correndo e é muito ocupado nunca é capaz de ceder seu tempo para o outro.

Hoje temos a impressão de que um tempo bem vivido é um tempo gasto com experiências, com sensações coletivas ou individuais de pertencimento a algo maior que nós.  Então eu vou a um show porque aquela banda me proporciona uma experiência, eu faço uma viagem cheia de roteiros pré-determinados porque eu preciso ter aquela experiência, eu me relaciono com as pessoas a partir das experiências que aquele tipo de relacionamento pode me trazer.  Eu escolho as minhas roupas para fazer parte de algo, eu escuto músicas e vejo séries para ter assunto com outras pessoas, eu uso minhas redes sociais para parecer alguém inteligente, bonito e bem sucedido…nos tornamos um produto – e todos nós sabemos que quase todos produtos têm uma data de validade determinada.  Ao final desta data, eles são descartados e substituídos por outros – e vem daí a luta constante de nossa época contra a passagem do tempo: envelhecer é ter menos acesso – e se tornar menos relevante – para viver e fazer parte dessas experiências.

Agora de manhã, ainda na cama, olhei para o dia e vi que ele estava cinza… Me propus a ficar na cama até mais tarde, mas o reels do Instagram me trouxe outra mensagem: numa cena de A vida Secreta de Walter Mitty, Ben Stiller corre e pula num avião, enquanto seu grande amor toca ao violão Space Oddity.  “Ground control to major Tom”…internamente eu escuto a minha própria voz “levante-se da cama, Aline, é hora de sair da sua cápsula e encarar o mundo mais uma vez…  afinal, o Planeta Terra continua azul e não há nada que você faça que possa mudar isso”.  

Obrigada, tempo, por me ensinar que a grande experiência da minha vida está em descobrir que a Terra, aconteça o que acontecer, continuará azul, portanto terei sempre uma casa nela.  Estou com um sorriso idiota nos lábios nesse exato momento, porque eu percebi que esse não era o texto que eu tinha planejado escrever quando me sentei no computador 45 minutos atrás, mas os meus textos têm vida própria e são livres para escolherem seus próprios caminhos.  Eles são maduros e livres para serem o que bem quiserem.

Então, se eu pudesse dar algum conselho a quem ler esse texto, meu conselho seria: cheque suas ignições e tenha coragem de embarcar e olhar as estrelas de cima, fazendo da sua vida uma poderosa – e transformadora – viagem pelo tempo e pelo espaço.  Não será fácil, mas tenha a certeza: permita-se amadurecer e dar ouvidos ao tempo para que ele possa ter na sua existência a importância que ele realmente deveria ter desde sempre.

Consegue me ouvir, Major Tom?
Consegue?
Aqui estou eu, flutuando em volta da minha lata velha
Bem acima da Lua
O planeta Terra é azul, e não há nada que eu possa fazer

Space Oddity – David Bowie – Tradução livre

Letras de Segunda – Eu não quero viver 120 anos – um manifesto por uma vida plena de vida

Desde semana passada, eu estou com a seguinte frase na cabeça: Deus me livre viver 120 anos.  Explico: participei de uma palestra no meu trabalho na semana passada e o palestrante, maravilhoso por sinal, afirmou que, com os avanços da medicina e da qualidade de vida, a minha geração viverá por até 120 anos – em condições normais de temperatura e pressão, é óbvio.  Desde que eu ouvi essa afirmação, a frase com a qual abri essa reflexão não sai da minha cabeça… e sim, eu realmente não desejo, de maneira alguma, viver por 120 anos.

Acho que eu sou um caso típico de pessoa que pensa na morte desde que se entende por gente.  Me lembro de ainda pequena ficar pensando na idade ideal para conhecer o céu.  Sempre me pareceu algo muito estranho “perder” tempo por aqui sendo que existe um lugar muito mais bonito e perfeito para viver.  Por várias e várias vezes, eu fiz inúmeros cálculos da duração da minha própria vida, sempre torcendo para que ela fosse intensa e tivesse um final épico, capaz de me redimir pela eternidade.  

Eu olho hoje toda essa trajetória e penso que eu realmente procurava justificativas e atalhos para fugir da aceitação de uma existência comum, triste e ordinária.  Era como se eu, morrendo cedo, me tornasse especial por ter a possibilidade, espero que real, de conhecer o que ninguém conhece.  Ah, adeus mundo…quem é dos anos 80 e via novela deve se lembrar da cena do Reginaldo Faria dando uma banana para o Brasil da janela do avião na novela Vale Tudo… o sentimento que descrevi aqui, confesso, era similar. Eu amaria dar um foda-se a essa existência incompleta para ter o que realmente faz sentido para mim.

Mas a vida é uma boa professora e, às vezes como mãe, às vezes como carrasco, vai nos educando e nos mostrando caminhos.  E no meu caminho eu aprendi a amar profundamente o fato de estar viva… como na célebre frase de Jack, em Titanic, “a vida é um presente e eu não pretendo desperdiça-la”.  Isso é real.  A vida, com seus altos e baixos, às vezes muito mais baixos que altos, é incrível… mesmo que nós não sejamos capazes de vivê-la do modo como ela deveria ser vivida.

E mesmo sabendo, hoje, que a vida é um grande presente, eu realmente não gostaria de viver 120, 130 anos.  Eu me lembro do meu avô que, aos 70, já se dizia pronto para morrer.  Ele viveu até os 99 anos, com saúde, mas ele sempre esteve pronto para partir.  Com ele aprendi que os fins podem ser bonitos e desejados, já que são mesmo inevitáveis.  A minha impressão é que quanto mais tempo a gente vive, mais referências a gente deixa para trás, mas o mundo deixa de ser nosso para ser de quem vem depois de nós.  É o caminho natural de tudo que é vivo – ser superado e ser esquecido pelo tempo e através do tempo.  Em breve, eu serei esquecida.  E essa é a maior prova de que nós hoje escolhemos mal as batalhas que vamos lutar.

Temos lutado, cada vez mais, para sermos jovens até os 50 anos.  Tomamos suplementos que nos prometem vigor e disposição de peles viçosas e sem rugas.  Driblamos o declínio com horas em aparelhos de ginástica e dietas milagrosas.  Focamos demais no físico e nos esquecemos, tantas e tantas vezes, que a vida é construída a partir de escolhas e que talvez as mais importantes delas sejam relegadas a um perigoso segundo plano.  

Quais são as escolhas mais importantes de uma vida?  Existem diversas, mas a mais importante, sem dúvida, é com quem vamos dividir a vida.  Então as nossas melhores e mais importantes escolhas versam sobre com quem vamos compartilhar o tempo: quem escolhemos como parceiros de vida, os nossos melhores amigos, a pessoa por quem nos apaixonamos, as pessoas com quem escolhemos passar nossos momentos felizes.  É elas que tornarão a nossa existência digna de ser chamada de vida.  Todo o resto, é perfumaria.

Eu estou envelhecendo e perdendo, cada vez mais, a vontade de conviver com um grande número de pessoas.  E eu, que sempre fui conhecida por ser muito expansiva, tenho me tornado cada vez mais reclusa.  E eu, que sempre tive medo da solidão, a tenho acolhido como uma grande oportunidade de, enfim, poder ser eu mesma e de me olhar num espelho cheio de marcas e manchas, mas real.  

Outro dia, um amigo me mandou um teste de personalidade e, no resultado, deu que eu pertencia a uma categoria de pessoas que abrangia menos de 2% da população mundial.  Ele me disse: Aline, você é rara.  E eu brinquei: está explicado porque eu nunca irei arranjar um namorado.   Rimos.  Mas existe algo verdadeiro na alegada raridade do teste: está cada vez mais difícil encontrarmos boas pessoas – e não digo só namorados ou namoradas – para dividirem conosco aqueles raros momentos em realmente nos sentimos vivos. 

Tenho medo de chegar aos 120 anos sem ter ali as pessoas pelas quais realmente vale a pena viver e que dão sentido a tudo que eu chamo de vida.  Tenho medo de chegar lá e me ver sozinha.  Pode até parecer covardia, mas eu prefiro pensar que eu tenho coragem por admitir, para mim mesma, que esta breve passagem por este mundo só tem sentido quando eu consigo ter essas pessoas, mas também ser a pessoa que dá sentido à existência de outras.  Portanto, Deus, fica aqui o meu manifesto para que eu não viva tantos anos por aqui.  É óbvio que eu não tenho como controlar isso e que continuarei tentando ver a beleza que todo dia se desnuda perante os meus olhos, mas, se der, só se der, me faz estar pronta quando chegar a minha hora.

Até lá, que eu encontre o amor, das formas que ele puder ser vivido e construído, porque assim como tudo que nos dá vida, o amor não é fácil de achar.

Se um dia
Meu coração for consultado
Para saber se andou errado
Será difícil negar

Meu coração tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos ficou, ficou
Só um amor pode apagar

Paulinho da Viola – Foi um rio que passou em minha vida

Letras de Segunda – 8 de março? Ideologia: Eu NÃO quero uma para viver

O texto número 64 da série Letras de Segunda  tem tudo para ser um texto reaça.  Estou um tanto indignada com algumas notícias da semana e resolvi aproveitar o número 64 – tão sugestivo para a história brasileira – para escrever sobre esta minha indignação em relação ao comportamento da elite globalista que, através da imprensa, o seu braço mais visível, vem sistematicamente impondo narrativas falsas que têm o intuito de uniformizar pensamentos e comportamentos.  Segue o fio:

Estamos em março e, como todo início de março, somos obrigados a aguentar aquela proliferação de discursos feministas por conta da celebração do dia 08 de março em todo o mundo.  Quem me conhece, sabe que eu posso ser meio desbocada, falar um pouco mais de palavrão do que o vocabulário nos permite, ser um tanto radical na defesa das coisas que eu acredito e muitas vezes perder o timing de calar a boca e acabar arrumando confusões desnecessárias ou irritações evitáveis.   Eu posso ter todos esses defeitos e também outros, mas de uma coisa eu me livrei: eu, graças a Deus, não sou feminista.

Sim, graças a Deus eu não sou feminista!

O meu problema com o feminismo não é pelo que ele diz defender, mas sim pelo ativismo propositalmente exacerbado com o que seus militantes escolhem as causas que devem defender e aderir.  O idealismo é algo podre, pois esconde atrás de si ideias que quase nunca significam o que dizem significar.   Ou seja, as mulheres são levadas a acreditar que estão lutando por um mundo mais justo e igualitário quando, no jogo dialético e das ações, são utilizadas como massa de manobra para a consolidação natural de pautas ideológicas, que não seriam aceitas se elas fossem vendidas como o que realmente representam.  Ou seja, o que parece inofensivo e justo, é somente lixo ideológico que serve somente para nos escravizar e nos fazer dóceis a pautas que não nos trarão benefício algum.

Não acredita? Então leia a chamada para o prêmio “Mulheres do Ano” da revista Time, divulgado na última quinta-feira:

A revista Time divulgou nesta quinta-feira (2) a lista das 12 mulheres do ano. A brasileira Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, entrou no ranking.

A Time fala que as escolhidas são “mulheres extraordinárias que estão liderando um mundo mais igualitário”.

Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/03/02/revista-time-divulga-12-de-mulheres-do-ano-com-brasileira-na-lista-saiba-quem-sao.ghtml

E quando a gente olha a lista, percebe que as mulheres que a imprensa feminista nos indica como inspiradoras, não defendem nenhuma causa real: as mulheres da lista são mulheres que lutam contra o aquecimento global, uma abortista mexicana que financia mulheres que querem interromper a gestação de filhos em locais em que isso não é permitido, uma mulher que só tem destaque por ser irmã de uma militante esquerdista morta no Brasil numa cortina de fumaça que é sempre acionada quando acabam os argumentos sobre a ascensão da Direita ao poder no país… ah, não poderiam faltar na lista as mulheres que defendem LGBT +  todas as letras do alfabeto e uma executiva que credita o seu sucesso ao fato de não ter tido filhos.  E aí, essas mulheres te representam ou inspiram? A mim, não e por isso que eu ainda me indigno (todos os anos é a mesma coisa).

É muita hipocrisia, de verdade.  Cadê nessa lista a Aline – e eu não digo eu, mas a Aline como uma mulher real? Cadê aquela mulher que tem que sustentar uma casa sozinha e criar seus filhos se desdobrando em um, dois, três empregos? Cadê a faxineira que vai viajar com os patrões para cuidar dos filhos deles nas férias enquanto a sua mãe fica com os filhos dela em um barraco qualquer? Cadê a mulher que consegue, com estudo e esforço, chegar a altos postos profissionais sem precisar, para isso, fazer discurso de vítima da sociedade? Por que essa mulher não está na lista?  Por que ela não pode ser vista como inspiradora?

Todo mundo conhece uma mulher como a que eu descrevi no parágrafo acima: uma mulher comum que, apesar das dificuldades próprias da vida, não desiste de ser melhor e fazer o melhor.  Eu sou uma mulher dessas.  Tenho grandes amigas que são assim também.  Consigo facilmente fazer uma lista das mulheres que me inspiram e garanto a você: elas são realmente extraordinárias e elas realmente têm força e poder para mudar o mundo.

O feminismo, enquanto ideologia, não serve para mulheres como eu, pois ele se escora numa retórica de ódio e combate aos pilares da nossa civilização, em especial, às famílias, abrindo espaço ao Estado, apoiado pelo grande capital e pela mídia globalista, para constituir-se como guia espiritual e guardião dos nossos pensamentos e escolhas.  E quem comanda o Estado? Quem realmente tem poder, no caso, homens que não aparecem, mas utilizam as mulheres como instrumentos de castração de outros homens, para que eles não sejam capazes de ascender e tomar o poder.

Por isso, toda a propaganda ideológica para você criar filhos “não machistas”: uma sociedade de homens que não sabem o seu papel e não sabem se comportar como homens – e tudo o que a masculinidade traz ao nosso mundo: proteção, segurança, força, autoridade – é uma sociedade fraca e incapaz de fazer frente à dominação daqueles que realmente detêm o poder.

Eu não sou o meu corpo e a minha anatomia não me faz melhor ou superior a ninguém.  A única coisa que tem o poder de transformar em alguém extraordinária é o uso da minha vontade livre e soberana de escolher a verdade como condutora da minha narrativa.  

E a verdade, definitivamente, passa longe de qualquer ideologia.  Portanto, no próximo dia 08, diga a uma mulher de verdade que ela é extraordinária. E para acabar com a minha indignação, lá vai: foda-se a lista da Time… o Hitler foi escolhido por eles como Homem do Ano em 1938 e aí o mundo inteiro viu o tipo de inspiração que ele nos deixou nos anos seguintes.

Definitivamente, “ideologia, eu NÃO quero uma para viver…”

Letras de Segunda – A Baleia, a guerra da Ucrânia e a luta entre o sofá e a vida

Tem dias que eu me sinto física e mentalmente esgotada… hoje quando eu voltei do trabalho, sentei no sofá com um saco de Pipoteca e me senti assim.  Eu já tinha vindo pra casa depois do trabalho porque estava cansada demais para ir à missa.  Mas a minha intenção, quando resolvi passar em casa,  era ir à missa uma hora mais tarde e não me sentar no sofá e de lá não ter forças para sair.  Eu não gosto do sabor da Pipoteca que comprei do vendedor do semáforo, mas era a única que ele tinha.  Também não gosto de me sentir prostrada e mesmo assim me sinto de vez em quando. A gente se acostuma com tudo, mesmo que não seja agradável ou legal, porque nos ensinam que assim deve ser na vida.

Cochilei por alguns minutos no sofá e me levantei atrasada, mas firme para cumprir o meu propósito.  Eu chegaria atrasada à missa e depois iria ao cinema, porque eu precisava fazer algo para não ficar prostrada no sofá.  Mais cedo eu pesquisara os filmes em cartaz e vira que hoje estrearia um filme chamado A Baleia.  A despeito dos elogios à atuação magnífica de Brendan Fraser, indicado ao Oscar por este filme, a crítica não enxergara na obra um filme monumental.  O resumo que li dizia tratar-se de um pai obeso mórbido que tenta resolver sua relação inexistente com a filha adolescente antes de morrer.  A gente se acostuma com o peso da vida, seja ele físico, psicológico ou espiritual, porque a gente tem esperança que ele passe.

Eu cheguei atrasada à missa e não consegui vaga para estacionar o carro, mesmo nas ruas próximas.  Fui direto ao shopping esperar pelo filme, com a intenção de comer algo e comprar um remédio que fizesse eu me sentir menos cansada e enjoada.  No trabalho me disseram que problemas no fígado deixam a gente cansada e sem vontade.  Eu perguntei pro farmacêutico o que poderia tomar para curar o fígado e ele me indicou um remédio baratinho e bom.  Senti saudades da minha mãe enquanto pagava, ela teria me feito um chá de boldo, com aquele gosto medonho das folhas amassadas.  O remédio da farmácia também deixava um gosto horrível na boca.  A gente se acostuma com o gosto ruim dos remédios para o fígado, porque acredita que eles nos deixarão curados.

Ingresso comprado e paro, depois de engolir o remédio, para comer algo saudável antes do filme.  A salada era tão grande e as folhas eram tão bonitas que me senti melhor só de olhar para aquele prato.  Eu peço uma long neck para me acompanhar enquanto espero pelo jantar.  O celular ficara em casa, porque quando eu decidi me levantar do sofá me dei conta de que eu não precisava de nada que não fosse real hoje à noite.  Enquanto eu bebia a cerveja, eu olhava para as pessoas que iam e vinham pelo shopping.  Passei longos minutos olhando aquelas pessoas e pensando no aniversário da Guerra da Ucrânia, que completou um ano esta semana.  A gente tá aqui, do outro lado do mundo, vivendo como se o que acontece lá longe não nos afetasse.  A gente se acostuma com a guerra, com a morte, com o fim, porque nós nos colocamos acima de todas as coisas.

Entro no cinema e os trailers anunciam outros filmes que parecem interessantes.  Talvez entrem na minha agenda, talvez não, tanto faz.  O filme começa.  Um Brendan Fraser de quase 300 kg toma a tela, sentado num sofá tentando achar algum sentido para a sua patética existência.  Ele não consegue se levantar do sofá sozinho porque, pelo excesso de peso, isso é logicamente impossível.  E ele se acostuma com isso, porque não tem vontade de viver.

No filme, ele é um escritor e professor de redação, obcecado com um texto que sua filha escrevera sobre o livro Moby Dick anos antes.  Eu também escrevo e eu também tenho minhas obsessões e compulsões.  Ele não para de comer e ele se recusa a ir ao médico.  Ele acredita na redenção de um final feliz, no qual ele pode partir sabendo que fez algo bom para o mundo.  Ele pede desculpas o tempo inteiro a todos que convivem com ele, especialmente para a sua melhor e única amiga, que também é enfermeira e respeita a sua decisão de não se tratar.  Ela se acostumou com o fato dele escolher a morte, porque talvez ela também se sinta um tanto morta, mas sem coragem de fazer a mesma escolha que ele fez.

O filme segue com a sua fotografia escura para nos lembrar que o desejo pela morte é sempre acompanhado pela ausência de luz.  E isso fica evidente ao final.  No fim, a gente se acostuma a ter uma vida cinza como se ela fosse real e tivesse sentido.  Ao me levantar da poltrona e ir em direção ao meu carro, eu só penso que as coisas nunca acontecem por acaso: enquanto houver forças para nos levantarmos do sofá, a vida poderá ser mais que a descrição das baleias brancas que, vez ou outra, ocupam a nossa existência.

Pensemos nas vítimas da guerra lá do outro lado do mundo, nas pessoas que morreram soterradas no terremoto ou na enchente dessa semana que trouxe a tragédia para bem mais perto de nós.  Oremos por elas, enviemos nossas melhores vibrações e desejos… Tanta gente sofre e o mundo tem tanta dor… não nos acostumemos a sermos indiferentes, porque a morte é o destino de todos nós, mas enquanto ela não chega, nós temos que lutar pela vida e espalhar a luz para o mundo.

Eu encontrei nessa noite fria bons remédios.  Sejamos também nós remédios capazes de curar uns aos outros – até que a morte nos separe para sempre.

Boa noite!