Uma noite em Viena

Uma música ecoa ao fundo da minha sala nesse dia esquisito. Chove lá fora, estou tão cansada, só quero ir para casa. Gostaria de dormir por alguns dias seguidos, como se isso fosse me livrar das minhas dores, dos meus medos, das minhas angústias.

Às vezes eu quero chorar
Mas o dia nasce e eu esqueço
Meus olhos se escondem
Onde explodem paixões…
E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa pra lembrar…

Todos parecem dançar uma música mais divertida… E todos parecem ter uma leveza que eu não tenho – como se eu não pertencesse ao mesmo planeta de onde vêm essas pessoas.

Às vezes eu quero demais
E eu nunca sei
Se eu mereço

Eu não pertenço a lugar algum e minhas dores fazem questionar se eu pertenço até a mim mesmo. Tenho medo do futuro, tenho medo do escuro, tenho medo das pessoas que insistem em dançar ao meu lado – o som da música delas às vezes corrói a minha alma, a minha existência. Me sinto pequena e diminuída, porque a mesma voz que grita de forma fudidamente forte dentro de mim, cala-se perante os demais – eu não escuto a minha música porque eu escuto demais as músicas dos outros. Eu me sinto tão sozinha, tão triste, tão abandonada que penso: por que alguém dançaria comigo?

E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa pra lembrar
Se você quiser
Eu posso tentar
Massss!…

Talvez eu não queira dançar com ninguém. Mas talvez eu diga isso pra me esconder de mim mesma, para me esconder dos outros, do mundo, da vida. E talvez, muito talvez, eu tenha desistido de tentar dançar com alguém e repita para mim mesma:

Eu não sei dançar
Tão devagar
Pra te acompanhar…

Pronto! Tudo resolvido. O problema não sou eu, são as pessoas que vivem outra música, outro ritmo. No baile da vida eu sou a garota sem par. Na hora da valsa, ninguém me tira para dançar. E eu digo pra mim mesma que tudo bem, que tudo vai ficar bem, que as coisas são assim mesmo. E por anos e anos eu espero a redenção daquela valsa tão única, que todos tiveram e eu não.

Nos meus sonhos, o meu vestido é lindo e eu sou escolhida pelo garoto mais que perfeito – não porque é lindo, mas porque foi o único que entendeu a minha música e, com toda a paciência do mundo, pegou nas minhas mãos e disse que eu nunca mais dançaria sozinha – porque a música dele era também a minha. E quando eu encosto o meu ouvido junto ao seu peito, eu escuto a música dele e me dou conta: eu sei dançar, eu sei dançar, eu sei dançar! Acordo então! E isso me deixa um tanto frustrada: eu não queria acordar, eu queria a leveza de um sonho onde a minha valsa fazia, pela primeira vez, sentido.

Levanto apressada. O baile continua. Olho para o lado: ninguém está nem aí para a música, para o meu vestido ou para as outras pessoas. Alguns parecem viver sonhando, enquanto outros fecham-se em si mesmos e esquecem dos demais. Não importa. Foda-se.

Essa noite estive em Viena e lá encontrei o que me faz feliz. Provavelmente o meu garoto não exista, seja somente um delírio da minha cabeça, mas eu dancei sozinha às margens do rio Danúbio, a minha música, a música que enfim entendi me fazer mais feliz. Me lembro de que eu não sei dançar. Olho para o lado: ainda estou em Viena e a lua ilumina o Danúbio. Oh, que noite linda!

Minha cabeça se enche de Strauss e de valsa. Invento passos sem sentido, rodopio, rio sozinha, danço a valsa mais que perfeita. Pouco importa o que eu acredito ou o que eu penso sobre mim. Pouco importa que, do meu lado, o mundo esteja desabando. Eu preciso terminar a dança, seria um desrespeito comigo mesma desistir. Me entrego, por inteiro, à minha poesia. De repente, alguém toca o meu ombro: era o garoto do sonho, aquele mesmo. Não, não pode ser. Pare de delirar, Alice, isso é impossível. Ele me diz, então, que achou o meu sapato à beira da ponte e que eu deveria calça-lo, talvez fosse mais agradável dançar assim, já que as pedras torturam nossos pés.

Obrigada, moço! Eu escolhi tirar os sapatos, eu escolhi dançar com os pés no chão. Desculpe a minha falta de jeito, estou com vergonha agora. Eu só estava tentando dançar, mas não nasci para isso. Calma, moça. Não se acanhe: vê-la dançar fez tanto por mim, que eu só gostaria mesmo de te dar um abraço e dizer obrigado. Eu também não sei dançar, mas ficaria muito feliz em ser seu par nessa noite incrível.

De nada, respondo com um sorriso nos lábios. Viena é música e poesia. Viena é o meu lugar no mundo. Meu garoto olha para mim e pergunta:
Vejo que não é daqui. Por quanto tempo pretende ficar em Viena?
Eu, respirando a música respondo: Para sempre!