Incrível, tudo é incrível…

Outro dia, li uma reportagem interessante sobre os hábitos de férias dos norte-americanos: o texto dizia que não é costume, nos Estados Unidos, que as pessoas tirem 30 dias de férias durante o ano.  Lá, como não há uma legislação trabalhista nos moldes das que temos no Brasil, é comum que as pessoas tirem menos dias de férias durante o ano, ou passem anos sem tirar férias.  Trabalhar é preciso e as férias são consideradas, por muitos, uma grande perda de tempo – e tempo é dinheiro.

Eu confesso que, como boa brasileira, adoro tirar férias.  Aliás, não só gosto de férias: gosto de feriados, de finais de semana prolongados, gosto da sensação de ser dona do meu tempo.  E pra mim, tirar férias significa, no fundo, ter completo domínio sobre o meu tempo.  Não entendo as pessoas que se recusam a se aposentar, não entendo aqueles que veem no trabalho a única produtividade possível.  O trabalho é um meio de ganhar a vida e deve te possibilitar condições de se livrar dele.  A ideia aqui é que “quanto mais eu trabalho, menos eu tenho que trabalhar”.  E o cinema tem me ajudado muito a compreender esse drama moderno, tal como vou relatar a seguir.

O filme do momento aqui em casa é uma Aventura Lego.  Os meninos estão completamente apaixonados pela história de Emmet, um boneco lego que é tem como principal característica o fato de seguir todas as instruções.  Emmet é um operário construtor que vive para o trabalho.  Ele não tem amigos, não tem garotas, tampouco vê gente morta caída ao chão.  Emmet é o sujeito comum, o cidadão massa moldado pela mídia – ele faz questão de fazer o que todos os outros fazem e considera que ser feliz passa, necessariamente, em ser aceito pelos seus iguais.  Desta forma, ele se veste como todos os outros, ele come como todos os outros e suas atitudes são fundamentadas por manuais de motivação barata.  E ele escuta insistentemente a música da moda: incrível, tudo é incrível! Emmet vive num mundo onde tudo é tudo, menos incrível.

Emmet não vive.  Emmet sobrevive.  Emmet é frustrado.  Emmet só quer ser especial.  E como ser especial se ele não tem os super poderes do Batman, o grande herói dos quadrinhos?  A história de Emmet é a mesma história do velho Carl, o rabugento protagonista de Up! Altas Aventuras, frustrado por não conseguir proporcionar à mulher, já falecida, a grande aventura com a qual ambos sonhavam desde a infância – conhecer o paraíso das cachoeiras.  Ambos personagens têm em comum o fato de acreditarem que a grandeza da vida está em viver ou fazer algo extraordinário.  Afinal, é preciso ser incrível!

Muitas vezes, eu sou tomada pela sensação de que todos ao meu redor são incríveis.  Nessas horas, os versos de Leoni em Alice invadem a minha existência:

Todo mundo sabe de alguma coisa que eu não sei
De um filme que eu não vi
De uma aula que eu faltei
Por mais que eu tente eu nunca chego no horário
Eu perco tudo que eu ponho no armário

Tudo atrapalha o que eu faço
Mas pros outros parece tão fácil

Eu sou um operário padrão, como Emmet… os outros, os outros, os outros são sempre incríveis. Nos meus devaneios, eu penso que a minha vida ordinária é insignificante ao mundo.  Me sinto como aquela peça do lego que vem na caixinha só como um bônus da fábrica: ao invés de mandarem as 10 peças necessárias à montagem do modelo, eles mandam 11 – vai que alguém perde uma daquelas pecinhas pelo caminho? Sim, eu não sou incrível.  Eu sou ordinária, eu sou tão comum que eu sinto tédio ao me olhar no espelho.  Eu sou patética e sim, o mundo conspira contra mim.

De fato, eu me mato um pouco cada vez que me sinto assim.  Eu me mato porque isso não é natural.  E não é natural porque, ao contrário do que eu penso, é a minha vida ordinária que faz a minha existência absolutamente incrível.  É na minha insignificância que eu me faço não só grande, mas também imprescindível: imprescindível para aqueles que amo, imprescindível para o mundo em que vivo, imprescindível para tudo o que está a meu redor.  Sim, o mundo não seria o mesmo sem o Emmet, sem o velho Carl, sem a Aline da Varanda.   O mundo seria outro, porque é o ordinário que rege o mundo.   E eu só percebo isso quando me afasto da fábrica, quando tenho tempo para contemplar o meu vazio existencial e inseri-lo dentro de algo maior.  E é no ócio, no inútil, no dito improdutivo que eu me conecto não só comigo mesma, mas também com o divino, com o inusitado, com o incrível, afinal, como escreveu o grande Renato Russo,

O que fazes por sonhar
É o mundo que virá pra ti e para mim

Autor: Aline Soares

Meu nome é Aline, sou paulistana, escrevo esse blog porque cheguei aos 30 há uns anos atrás e preciso construir memória do que foi minha vida, antes que a minha história se perca de mim. Hoje tenho quase 40 e adoro olhar pra trás e perceber que eu já consegui resolver muitos problemas escrevendo, embora pensar e escrever tenha me trazido tantas questões novas. Essa é a vida... pouco importa o que eu tenha feito de bom ou ruim. Enquanto eu registrar minhas memórias serei eterna - pra mim e pra quem se importa! Vivo por música, falo através de letras de música e acredito que Deus um dia vai me levar para morar em um lugar incrível, onde o pôr-do-sol seja sempre maravilhoso. Casablanca é desde sempre o filme da minha vida, talvez porque debaixo do meu verniz de cinismo, eu seja só uma sentimental guiada pela sonora resposta de Bogart ao pé do avião: "Nós sempre teremos Paris"

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